Levar saúde e dignidade para comunidades dos locais mais remotos do Brasil sempre foi o maior objetivo da Amigo da Vez. Por isso, quando recebemos o desafio de cruzar nosso país para atender os índios das aldeias do povo Yawanawá no extremo oeste do Brasil, soubemos que estamos no caminho certo. Um caminho de transformação através do sorriso.
Em novembro de 2018, durante uma de nossas missões na comunidade de Ponta Negra em Paraty, tivemos o prazer de receber a visita do Cacique Biraci Brasil do povo Yawanawá para conhecer um pouco do impacto positivo que os atendimentos odontológicos alcançavam em toda a população local. Impressionado com a grande estrutura de equipamentos, variedade de serviços oferecidos e principalmente pelo amor e carinho dos voluntários dedicados a cada paciente, o Cacique nos lançou um desafio que se tornaria uma das missões mais especiais da ONG: “O trabalho que vocês realizam é realmente muito bonito, mas atender pessoas aqui perto de São Paulo é muito fácil. Eu quero ver vocês levarem tudo isso lá para nossas aldeias no coração da floresta Amazônica”, disse o Cacique. Foi nesses instante que surgiu a missão Amigo Nativo!
O “povo da queixada” (tradução para Yawanawá) possui uma história que inspira, motiva e que, de certa forma, foi o que nos ajudou a manter o foco e perseverança em cada obstáculo que surgia durante todas as etapas de organização dessa missão. A queixada é um porco do mato que se torna uma presa fácil quando sozinha, porém quando em grupo, se tornam fortes e uma grande ameaça até para o mais forte dos predadores da mata. O povo Yawanawá chegou perto de ver sua cultura desaparecer em função da colonização de seringueiros e missões religiosas mas graças a essa força do grupo unido, conseguiram resistir, lutar e restabelecer suas tradições.
Motivação não nos faltava. Medos e ansiedade também não. Não sabíamos bem como seriam as condições para dormir, alimentação ou banheiro. Tomamos muitas vacinas, compramos barracas e lanternas, muito repelente e preparamos mais de 1,5 tonelada de equipamentos. Finalmente o dia 21 de novembro chegou e os 15 voluntários se encontraram no aeroporto de Congonhas às 5h30 da manhã. Seriam 10 dias de um contato muito intenso com a natureza, aprendizado de uma nova cultura e a realização da transformação de vidas devolvendo as funções mastigatórias, estética e dignidade. Foram mais de 8 horas de vôo até Cruzeiro do Sul no Acre onde passamos a primeira noite. Depois 3 horas de ônibus até Tarauacá e por último, mais de 9 horas nas 6 voadeiras (embarcação própria para navegação em águas de baixa profundidade), pelo rio Gregório até a aldeia. A experiência com os barcos foi uma aventura a parte. Com a baixa profundidade das águas, durante todo o trajeto batíamos em troncos e bancos de areia que por muitas vezes quebram as hélices do motor, trava o barco ou balança e molha bastante. Já quase anoitecendo, finalmente fizemos a última curva do rio e nos deparamos com uma grande quantidade de pessoas nos esperando e acenando no alto do morro onde ficava a aldeia. O cansaço que tomava conta deu espaço para uma grande emoção e alegria em todos os voluntários com a carinhosa recepção.
Nossa primeira impressão sobre a estrutura da aldeia foi muito positiva. Conseguimos montar nossas barracas em um espaço coberto. Havia também um espaço muito confortável para as refeições e a maior emoção até o momento: havia banheiro com vaso sanitário e chuveiro! Chuveiro com água fria, mas muito melhor que tomar banho no rio, como temíamos.
Fomos surpreendidos por uma chuva torrencial na primeira noite. As barracas balançavam muito com o vento e os raios e trovões assustavam bastante. Pela manhã, algumas pessoas acordaram com o interior da barraca molhada, outras com as costas doendo por dormir em colchões sem conforto mas nada tão forte para superar a magia de acordar no coração da floresta Amazônica.
Dois geradores montados alimentando dois grandes compressores de ar, 4 estações de atendimento, área de cadastro de pacientes, atendimento médico, área de esterilização e muitos olhares curiosos da população que se aproximava aos poucos. Tudo estava pronto e começamos a todo vapor. Percebemos que existia uma grande preocupação dos pacientes com a extração de dentes, já que era um dos poucos procedimentos oferecidos pelos esporádicos atendimentos feitos pelo governo do Acre. Nos deparamos também com um certo medo das crianças, timidez dos adultos e infelizmente muitas cáries. Nessa hora, o profissionalismo, dedicação, carinho e amor pela missão de cada voluntário falou mais forte e lágrimas começaram a se transformar em sorrisos. Foram mais de 1.000 procedimentos odontológicos registrados. Fizemos limpezas, aplicações de flúor, eliminamos cáries, tratamentos de canal, tratamentos estéticos, exodontias, próteses reabilitadoras e tiramos a dor. Falamos da importância da prevenção. Ensinamos como escovar os dentes. Demos mais de 700 kits de higiene oral para crianças e adultos e vimos muitos sorrisos que antes eram escondidos pela vergonha tomarem os rostos de cada um que passava pelas cadeiras.
Com a mesma intensidade dos atendimentos odontológicos, o povo Yawanawá passava por consultas psicológicas, prescrição e entrega de medicamentos, avaliações e exames e aplicação de medicamentos via muscular e venal. Além de levantamento epidemiológico de doenças prevalentes na comunidade.
Entre 7 horas da manhã e 18 horas da tarde nossos dentistas se revezavam, as vezes até esquecendo do calor escaldante, pouca ventilação e enorme quantidade de mosquitos que nos picavam incessantemente. Alguns voluntários emagreceram até 4 quilos. De fato o desafio foi grande. Nossos voluntários foram valentes e unindo com a receptividade de todo o povo, conseguimos cumprir nossa promessa ao Cacique Bira, mas a missão não acaba aqui. Percebemos que isso foi apenas o início de um movimento que vai levar ainda mais qualidade de vida e sorrisos para os povos indígenas do nosso Brasil.